quarta-feira, 26 de maio de 2010

Fiscalização é ineficaz para paus-de-arara

A insegurança em transporte feito por veículos paus-de-arara continua nas estradas de municípios do Interior

Veículos superlotados e totalmente despreparados para transportar pessoas na carroceria são comuns nas rodovias de municípios cearenses, como o flagrante feito no Crato - ANTÔNIO VICELMO

As cidades cresceram e há facilidades para a aquisição de ônibus, micro-ônibus e de vans. Mesmo assim, os caminhões e camionetas chamados pau-de-arara estão presentes nas vias urbanas, em rodovias estaduais, federais e nas estradas vicinais, no Interior do Ceará. Raramente, são incomodados pela fiscalização. A quantidade desse tipo de veículo varia de cidade para cidade e a justificativa dos proprietários é sempre a mesma: há trechos que só são trafegáveis por caminhões e camionetas.

A questão social, econômica e geográfica parece justificar a utilização dos veículos pau-de-arara. Quanto menor a cidade e mais distante e isolada a localidade rural, mais se utiliza caminhões e camionetas. A questão de segurança fica em segundo plano. E até mesmo a legislação é usada como justificativa para o livre trânsito desse tipo de veículo.

E o que dizem as autoridades? Representantes do Detran, da Polícia Rodoviária Federal, da Companhia de Policiamento Rodoviário (CPRV) e de departamentos municipais de trânsito apresentam justificativas com base na resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) de nº 82, de 19 de novembro de 1998.

O Detran segue ao que estabelece a Resolução do Contran. "Não há registro de veículos apreendidos por fazerem transporte de passageiros em compartimento de carga, como os caminhões chamados pau-de-arara", diz o gerente do Núcleo de Fiscalização do órgão, Pedro Forte. Ele lembrou que a exceção permitida pela resolução é quando o transporte tem motivação religiosa, como nas romarias.

Os motoristas de caminhões pau-de-arara evitam trafegar em frente aos postos de fiscalização da CPRV ou da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Quando precisam utilizar as rodovias estaduais e federais até o acesso à estrada vicinal, isto é, de terra, em direção aos sítios e vilas, percorrem desvios. É o que ocorre em Iguatu, na CE-060, e em Icó, na BR-116.

Na prática, as autoridades fecham os olhos para o problema que é complexo e envolve questões sociais, econômicas e geográficas. Evita-se punir o transporte de moradores do campo. Entretanto, nenhuma autoridade deixa transparecer tal postura. "Quando há irregularidade, agimos com rigor", disse o inspetor chefe da PRF, em Icó, João Miceno. "No último dia 10, um caminhão foi apreendido porque não era do município e transportava pessoas e cargas num mesmo compartimento".

Na unidade da CPRV, em Iguatu, o soldado identificado apenas por Arnaldo, disse que dificilmente passa caminhões pau-de-arara em frente ao posto. "Há poucos veículos desse tipo em Iguatu, mas se cumprirem a norma legal têm trânsito livre", afirma ele. Já o secretário de Transporte e Cidadania de Iguatu, Hilton Oliveira, explicou que o município fiscaliza a documentação do veículo e do motorista e itens básicos de segurança dos caminhões e camionetas que fazem transporte de passageiro para a zona rural.

Segundo ele, o município cobra uma taxa anual de tráfego. "Só 10% do transporte é feito em pau-de-arara", estimou. "A nossa preocupação é evitar acidente, mas não podemos proibir porque há uma norma do Contran, além de ser uma questão social", reconhece.

Na maioria das cidades da região Centro-Sul, no cotidiano urbano, há presença de caminhões pau-de-arara. Na cidade de Iguatu, dezenas desses veículos transportam passageiros e cargas, juntos, em desrespeito à norma do Contran, para a zona rural. O flagrante é diário.

Para transporte de passageiros, caminhões com carroceria devem ser adaptados ao trabalho - HONÓRIO BARBOSA


A justificativa está na ponta da língua dos motoristas. "Vá olhar a estrada que a gente anda, só passa esse tipo de carro e quando chove, às vezes, não dá para seguir viagem", disse o condutor Wilton Pereira. "Nas subidas elevadas, serrotes e em estradas estreitas, não há possibilidade de tráfego de ônibus".

Os donos de caminhões e camionetas pau-de-arara cobrem o veículo, fixam tábuas nas laterais e bancos na carroceria e, por necessidade, levam mercadorias em meio aos passageiros. "Os moradores vêm para a rua e fazem a feira e precisam levar os produtos", justificou o motorista Francisco Souza. Os passageiros evitam comentar o tipo de veículo que utilizam. Preferem não falar sobre o desconforto e muitos cobrem ou viram o rosto para não serem fotografados pela reportagem.

Fique por dentro
Critérios da lei

A Resolução 82, de 19 de novembro de 1998, do Contran, que continua em vigor, estabelece o seguinte em seu artigo 1º: "O transporte de passageiros em veículos de carga, remunerado ou não, poderá ser autorizado eventualmente e a título precário, desde que atenda aos requisitos estabelecidos nesta Resolução". O artigo 2º define que o transporte "só poderá ser autorizado entre localidades de origem e destino que estiverem situadas em um mesmo município, municípios limítrofes, municípios de um mesmo Estado, quando não houver linha regular de ônibus ou as linhas existentes não forem suficientes para suprir as necessidades daquelas comunidades". O item III do parágrafo 2º, do artigo 2º, diz o seguinte: "viagens por motivos religiosos, quando não houver condições de atendimento por transporte de ônibus". Por isso, na época das romarias nos municípios de Juazeiro do Norte, em louvor ao Padre Cícero, e de Canindé, em homenagem a São Francisco, as vias públicas são utilizadas por caminhões e caminhonetas transportando romeiros, além de ônibus regulares e extras.
Honório Barbosa
Repórter
INFRAÇÃO NO TRÂNSITO

Motoristas não cumprem legislação
Crato.
A maioria dos motoristas de caminhão, camionetas e picapes não cumpre a Lei do Código de Trânsito Brasileiro que proíbe em seu art. 230, inciso II, o transporte de passageiros no compartimento de carga. O transporte irregular de passageiros circula livremente nas estradas municipais, conduzindo feirantes, estudantes e passageiros comuns, muitas vezes, misturados com animais domésticos como porcos, galinhas, bodes e carneiros.

Porém, o ex-comandante da Companhia de Policiamento Rodoviário (CPRV), tenente-coronel Werisleik Matias, agora no comando do Programa Ronda do Quarteirão, lembra a resolução do Contran, que foi editada para atender ao transporte de romeiros para Juazeiro do Norte em caminhões pau-de-arara.

Esses caminhões, com bancos de madeira, cobertos de lona, ainda transitam nos Estados do Nordeste, trazendo romeiros para Juazeiro do Norte. Com base na resolução do Contran, este tipo de transporte é utilizado pela Justiça Eleitoral para condução de eleitores que vão cumprir o seu dever cívico. Até presos, sob custódia do Estado, são transportados em carrocerias de veículos, ou jogados no porta-malas sem nenhuma proteção no veículo. No caso de descumprimento da legislação, a infração é considerada gravíssima e a penalidade é de multa e retenção do veículo.

O coronel adverte que a resolução determina condições mínimas para concessão de autorização. Exige que os veículos sejam adaptados para o trabalho.

Já na região Norte, a fiscalização se torna vulnerável devido ao grande número de municípios que são quase 20, e o pequeno número de policiais, são apenas três que se revezam a cada oito de dias de serviços. Nesta região existe apenas um posto avançado da Polícia Rodoviária, entre os municípios de Sobral e Santana do Acaraú.

Além da fiscalização rotineira, os policiais são responsáveis também no atendimento as ocorrências em que envolve acidentado. De acordo com o policial Vidal, a fiscalização tem sido rígida para evitar que os veículos paus-de-arara circulem com excesso de passageiros.

ANTÔNIO VICELMO/ Wilson gomes
Repórteres

Fonte: DN (26/05/2010)

 

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