quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ZONA NORTE: Adolescentes fazem denúncia de trabalho escravo

Adolescentes denunciam que trabalho para recolher a palha de carnaúba acontece em "regime de escravidão"
São Gonçalo do Amarante. O depoimento de três adolescentes procedentes da cidade de Coreaú, região Norte do Estado, poderá levar a Justiça do Trabalho, por meio da Procuradoria da República e do Trabalho no Ceará, a investigar se há casos de trabalho forçado, ou seja, de escravidão, nesta região do Litoral Oeste do Ceará.

Os adolescentes, com idades entre 14 e 17 anos, encontrados pela Polícia Militar na noite de segunda-feira, na margem de CE-364, próximo a Coreaú, com bolsas de viagens, foram encaminhados para delegacia para serem interrogados. Na Delegacia de Polícia Civil em Sobral, os adolescentes contaram ao delegado de plantão e na presença de membros do Conselho Tutelar de Coreaú, que estavam retornando para aquela cidade depois de passar por mais de uma semana trabalhando em regime de escravidão numa fazenda situada nos arredores da cidade de São Gonçalo do Amarante.

Aliciados por um homem conhecido por "Assis Cosmo", segundo contaram, os três adolescentes, juntamente com um grupo de pessoas das localidades de Timbaúba e Canto, foram levados em caminhão pau-de-arara para esta fazenda, pertencente a família Tavares, com a promessa de ganhar um bom dinheiro, além de alimentos e também vestuários.

O adolescente E.C.S. , de 17 anos, contou que, ao chegar à fazenda, eles foram colocados numa casa juntamente com outros rapazes, para no dia seguinte iniciar uma jornada de trabalho que começava às 5h e só terminava 18h. "A gente só tem direito a tomar um café puro, se pedir biscoito tem que pagar. O almoço e o jantar são servidos apenas arroz e feijão fornecidos no meio do mato", disse ele.

No depoimento prestado por outro adolescente, F.C., de 14 anos, houve reclamação do banho e da dormida. Ele disse que ganhava apenas R$ 9,00 por cada milheiro de palha retirada e o lucro ainda teve que ser dividido com outra pessoa, o responsável pelo corte da palha. "Para tomar banho, nós usava água suja de cor esverdeada lá mesmo no local e a nossa dormida era no relento no meio da mata", relembra o adolescente. Chorando, contou que num dia todo de trabalho ganhou apenas R$ 2,00 porque teve que pagar pelas ferramentas adquiridas para o corte da palha.

O caso envolvendo os adolescentes já foi encaminhado para o Ministério Público Estadual (MPE), de Coreaú, segundo informou o Conselho Tutelar daquele município. O MPE, no entanto, ainda não se posicionou sobre fato. A reportagem tentou manter contato telefônico com a promotora substituta da Comarca de Coreaú, Juliana Cronemberg, que atua também no Fórum de Sobral, mas ela não foi localizada.

Em contato por telefone com o empresário Antônio Tavares, em São Gonçalo do Amarante, ele desmentiu a versão dada pelos adolescentes. Disse que a sua família não estaria envolvida na retirada das palhas de carnaúbas. "Na fazenda existem muitos pés de carnaúba, mas a retirada é feita por pessoas que arrendam a área. Nós não temos participação nisso".

Porém, encontrar pessoas que movimentam esse tipo de trabalho na região não é difícil. Nas proximidades do Açude Liberdade, um grupo de trabalhador fazia a retirada das palhas ontem desde cedo. "Eu recruto esse pessoal todos os anos, no período do verão. Ficam aqui trabalhando para mim por um tempo de quatro meses. Pago por produção", disse Raimundo Maia, 53 anos, arrendatário.

Os trabalhadores contratados por ele disseram não ter carteira assinada nem assistência médica. Se sofrer um acidente dentro da mata é carregado nos braços pelos companheiros até o hospital mais próximo. "Meu filho sofreu um corte de foice na coxa. Hoje ele teme em voltar para o carnaubal", disse Francisco Moreira de Souza, que trabalha como fiscal entre os trabalhadores.

Segundo o integrante do Conselho Tutelar de Coreaú, Francisco Elias, o caso que envolve os adolescentes daquele município já foi encaminhado ao MPE de Coreaú e as identidades dos adolescentes também estão sendo preservadas. "O caso já foi encaminhado para Justiça e estamos aguardando pronunciamento. Sabemos que existem outras pessoas vivendo de maneira sub-humana nesta fazenda e vamos tentar resgatá-los. Por isso não podemos revelar detalhes", disse Elias.

Dificuldades

Numa das fazendas em São Gonçalo do Amarante, que mantém o trabalho de retirada da palha de carnaúba, o produtor rural Francisco Moreira, que arregimenta trabalhadores para a colheita da palha, revela que comanda um grupo composto por dez homens e que na manhã de ontem apenas seis foram para o campo. "Quem trabalha a semana toda pode chegar a ganhar até R$ 70". Sobre a alimentação e a dormida, ele admitiu que acontece ali mesmo, no local da colheita. "Fica difícil levá-los e trazê-los todos os dias. Se for assim não tem produção", reconheceu Moreira.

Normalmente, estes empregados são aliciados pelos chamados "gatos", pessoas que atraem o trabalhador para exercer funções em outras localidades, muitas delas locais distantes daqueles em que prestam os serviços. Na maioria dos casos, são em outras cidades e até em outros Estados. Foi o caso dos adolescentes que viajaram cerca de 300km até chegar a São Gonçalo do Amarante, vindos da cidade de Coreaú.

Conforme os depoimentos dos adolescentes na Delegacia, eles afirmaram que a cada cinco semanas um caminhão percorre os sítios de Coreaú e Moraújo atrás de gente disposta a trabalhar nos carnaubais da zona norte do Estado.

"Costumo trabalhar só com pessoas aqui da região, mas tem muitos empresários que trazem gente da região norte do Ceará", destaca Raimundo Maia, ao reconhecer que são eles próprios que cuidam da alimentação dos trabalhadores.

Os arrendatários de carnaubais não admitem estar promovendo o trabalho escravo, uma vez que o sistema de colheita já faz parte da cultura da região. No entanto, devido às condições de extrema precariedade, a atividade poderá ser considerada ilegal, já que envolve trabalhadores menores de idade.

Para tomar banho, a água era suja, de cor esverdeada e a dormida era no meio da mata"
F.C. (adolescente)
Trabalhador rural

MILHEIRO

9,00 reais é o valor por cada milheiro de palha retirada por adolescentes, que denunciaram trabalho escravo no município de São Gonçalo do Amarante
Mais informações
Ministério Público Estadual no município de Coreaú
Rua Coronel Antônio Teles, 190, Centro (88) 3645.1161

WILSON GOMESCOLABORADOR

Fonte: DN

*********************************************

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMENTE ESSA MATÉRIA